Por Jacqueline Berg
Biografia da
autora: Jacqueline Berg, escritora e autora, é diretora da Brahma Kumaris na
Holanda.
Jacqueline Berg descreve como podemos
nos libertar das prisões auto-impostas a que nos submetemos.
Recentemente, li um anúncio que
dizia, “Seja diferente. Seja você mesmo.” Isso me lembrou de uma história que
ouvi certa vez sobre um leão que foi separado de seus pais no nascimento. Ele
cresceu num rebanho de ovelhas. Pelo fato de o filhote acreditar mesmo ser uma
ovelha, comportava-se como uma. Ele era um leão em traje de ovelha.
A história do leão é um pouco
parecida com muitas de nossas próprias histórias. Nós também freqüentemente
estamos num traje. Nós também parecemos esquecer quem realmente somos. Por
causa desse engano, temos nos identificado com diferentes imagens e idéias.
Colocamos máscaras e realmente começamos a acreditar que somos essas máscaras.
É claro que é impossível ser feliz se você é um leão e vive como uma ovelha.
O
segredo de conhecer-se é que existe algo dentro de você totalmente diferente
daquilo que você finge ser.
A única maneira de conhecer esse “eu” verdadeiro é através de uma pesquisa consciente.
A única maneira de conhecer esse “eu” verdadeiro é através de uma pesquisa consciente.
A maioria das pessoas não tem tempo para isso. Será que eu deveria dizer
que elas não criam tempo para isso? Essa é a beleza do tempo: você pode
criá-lo.
Durante minha pesquisa, descobri quatro coisas que são de importância
vital:
- A primeira é o silêncio.
- A segunda é o relacionamento comigo mesmo.
- A
terceira é o relacionamento com o Supremo e finalmente vem meu relacionamento
com aqueles que estão à minha volta.
É realmente importante pensar nelas nessa
ordem. Nós normalmente as abordamos numa ordem diferente.
Estamos muito
conscientes sobre os relacionamentos que temos com os outros, alguns de nós
pensam sobre Deus, poucos pensam no seu eu interior e dificilmente alguém tem
um relacionamento com o silêncio.
Antes de começar a meditar – há uns
25 anos – eu não considerava muito o silêncio em minha lista de prioridades.
Não tinha uma idéia clara do que ele realmente era. Eu era viciada em trabalho,
e pessoas assim não desperdiçam tempo em hobbies fúteis como o silêncio. Minha
vida era ativa, dinâmica. E era assim na família também. Após divorciar-se, minha mãe contou-me porque ela sempre esteve tão incrivelmente
ocupada. Ela literalmente esteve fugindo da dor que sentia por causa do seu
casamento não-preenchedor. Isso me despertou para o fato de que o trabalho pode
ser apenas outro vício, um modo de encobrir a dor, um modo de evitar as coisas
com as quais não sabemos lidar.
Então, essa é a maneira como fui criada: nunca
parando, nunca sendo, sempre fazendo!
Minha jornada interior começou com o
desejo de quebrar esse ciclo vicioso de ficar dando voltas; tentando
“simplesmente ser” para mudar um pouco. Os primeiros anos na meditação não
foram fáceis. Achei difícil relaxar e não conseguia sentar-me em silêncio.
Minha mente criativa continuava correndo.
Foi realmente meu corpo que veio para
me salvar e forçou-me a sentar – ou em outras palavras – silenciar-me.
Lentamente, mas definitivamente, minha mente aceitou-se derrotada e enquanto a
bandeira branca estava sendo hasteada, o silêncio entrou.
Leva tempo acostumar-se a estar em
silêncio e não fazer “nada”. Lembro-me de uma manhã quando estava sentada no
sofá – meditando – quando um dos vizinhos passou pela janela. Antes disso,
havia pegado uma revista e fingia lê-la. Por tanto tempo vivi com a idéia, “Eu
faço, portanto eu sou.” Tinha receio de que os vizinhos pensassem que eu não
estava fazendo nada. Mas estava mais receosa ainda daquela voz interior, o
Crítico Interior, que me puxou para além dos meus limites durante muitos anos.
Agora que minha mente estava se tornando mais silenciosa, tornei-me mais
consciente dessa voz interna. Custou-me certo tempo para entender o que esse
criticismo interno faz, o quão é destrutivo.
Muitas pessoas confundem criticismo
com intelectualismo; eles pensam que é bom ter opinião sobre tudo e julgar os
outros.
Mas descobri que isso realmente é um hábito muito negativo. Machuca os
outros e, acima de tudo, você se machuca com esse tipo de julgamento negativo.
Acho que ele deriva da noção errada de perfeccionismo. Perfeccionismo não é o
mesmo que perfeição, no sentido de inteireza. “Ser completo” significa ser completo
com todos os poderes e virtudes dentro do eu. Perfeccionismo é algo diferente.
Perfeccionistas tentam controlar pessoas e situações de modo que nada dê
errado. Eles querem que tudo aconteça tranqüilamente e não conseguem lidar com
imprevistos.
Ao invés de focarem-se na beleza da vida, são obcecados pelos
defeitos e imperfeições deles próprios e dos outros. Corrigem a eles mesmos e
aos outros continuamente – às vezes em palavras, sempre em pensamentos.
Não estou dizendo que nós não devemos
tentar tornar as coisas melhores e nos esforçarmos para a perfeição. Afinal de
contas, todos viemos de um estado de harmonia interna e completude. Então, é
muito natural que queiramos retornar àquele estado uma vez mais. Mas a raiva
projetada por ter perdido sua própria perfeição não vai trazer a completude de
volta.
De fato, isso cria muitos problemas nos relacionamentos. Não é fácil
enfrentar, ou mesmo ver, os seus próprios defeitos. É mais fácil ver isso nos
outros, e então, o Crítico Interno os ataca. E sempre há alguma coisa: a
maneira como alguém se veste, fala, comporta-se... não há fim para isso. Mas o
que estamos realmente fazendo é criticar nosso próprio comportamento.
A maneira de conhecer o Crítico
Interno é prestar atenção aos seus sentimentos: como eu me sinto sobre mim?
Como me sinto sobre as outras pessoas?
Recentemente, meu dentista disse-me que
se ele tirasse minhas obturações de mercúrio, meus sentimentos por mim
mudariam. Não é surpreendente que algo assim pode realmente mudar o modo como
nos sentimos sobre nós mesmos? Os sentimentos podem mudar tão rapidamente e
existe muita influência, assim, a melhor maneira de ver os sentimentos é: eles
são apenas sentimentos.
E um sentimento leva a outro. Quando você olha por trás
desses sentimentos e emoções, ainda há você. É o que acontece em relação à
raiva: você pode sentir raiva, mas isso não faz de você uma pessoa raivosa.
É
bom separar seus sentimentos de você mesmo.
Veja o medo, por exemplo. Há alguns
anos viajei para a Austrália. Eu estava num vôo doméstico que levaria apenas 45
minutos. Mas, no caminho, pegamos uma tempestade tropical, com muita chuva.
Tentamos aterrissar, decolar novamente, e aterrissar mais uma vez. Isso
aconteceu sete vezes. A experiência foi terrível, as pessoas gritavam sem
parar.
De qualquer forma, o fato é que eu tenho medo de voar, então, você pode
imaginar como me senti. Meu medo cresceu e cresceu até que cheguei aos limites
do medo. Eu não poderia estar mais amedrontada. Então, de repente, ele
desapareceu. Foi embora. Comecei a sorrir. Vi quão engraçada era a situação e
consegui acalmar os outros à minha volta. Quando chegamos ao nosso destino, 11
horas depois, percebi profundamente: um sentimento é somente um sentimento. Ele
pode incomodá-lo durante anos, e então, de repente, ir embora. Sentimentos
mudam, nós não!
Quando permito que o silêncio entre
em minha mente, descubro quem sou, lá no fundo.
Começo a entender minhas
motivações. Posso ser honesto comigo. Não preciso enganar-me. Quando começo a
me ouvir, é possível descobrir coisas diferentes daquilo que eu esperava
encontrar.
Talvez eu seja uma pessoa muito diferente de quem pensava ser.
Talvez eu seja um leão vivendo num traje de ovelha. Se sou, então o processo
de reconhecimento e mudança começa.
Pode ser um pouco dolorido destruir as
imagens criadas de nós mesmos, mas acima de tudo, é uma liberação.
É claro que
as pessoas à nossa volta dirão: “espere aí, esse não é você, isso não é como eu
conheço você.” Eles tentarão puxá-lo de volta.
É necessário coragem para mudar.
Pode ser doloroso descobrir quão pouco seus amigos e família o conhecem de
verdade. Mas, na realidade, você não pode culpá-los. Afinal de contas, foi você
quem os induziu ao erro ao não lhes mostrando seu verdadeiro eu. Você
mostrou-lhes somente a máscara.
Temos nos identificado com muitas
coisas externas. As pessoas têm muitas faces. Nossa identidade está nas roupas
que usamos, nos empregos que temos, onde vivemos e assim por diante.
Algumas
pessoas são completamente diferentes no trabalho do que são em casa. Elas
mostram somente uma parte delas no trabalho. Num certo sentido, enganam seus
colegas.
Na Prisão Estatal Holandesa, ensinei meditação para homens jovens, os
quais estavam lá por causa de crimes relacionados com drogas. Então, além de
suas penas, eles eram viciados. Não era um grupo fácil! Foram-lhes oferecidas
sessões de psicoterapia para torná-los conscientes da dor de seu passado. Isso
é importante, pois haviam tentado fugir do passado por meio das drogas.
Depois
que eles ficaram sóbrios, tive a oportunidade de fazer sessões de meditação e
pensamento positivo com eles. Esses garotos ensinaram-me muito sobre mim. Eles
não deixaram se agarrar a nada! Seus amigos
e namoradas não queriam mais vê-los; muitos deles haviam perdido seus dentes e
cabelos. Falei com eles sobre prisão em liberdade. Eles sempre falavam para
mim: “O que você sabe sobre prisão? Quando você sair desse lugar, estará
livre.”
Mas o que é liberdade?
Talvez eu
esteja viciada no meu trabalho, no meu relacionamento ou em negatividade. Essas
jaulas da alma também são prisões.
Alguns de nós estamos presos de forma tão
firme, que é como se tivéssemos dado a nós mesmos uma sentença para a vida
toda. Eu digo aos reclusos que honestamente não sei quem está mais livre, eles
ou nós do lado de fora. Afinal de contas, eles têm todo o tempo do mundo para
repensar suas vidas. Longe da luta da vida diária, é muito mais fácil mudar
padrões.
Algumas pessoas gastam muito dinheiro para passar o tempo num retiro
ou numa ilha privada apenas para afastar-se de tudo, a fim de colocar as coisas
em ordem. Quando digo àqueles jovens na prisão que algumas pessoas podem até
ter um pouco de inveja deles, eles riem, mas entendem.
Eles também estão abertos à
meditação. E amam isso. Deitam-se no chão, acomodam-se em suas cadeiras, às
vezes choram. Por alguns minutos experimentam-se como realmente são.
Sentar-se
juntos em meditação faz você esquecer que está na mesma sala com assassinos e
assaltantes. Eles também se esquecem dessas coisas. Nós simplesmente sentamos
juntos e esquecemos as máscaras. Encontramo-nos como almas.
Em terapia, as
pessoas freqüentemente focam somente naquilo que deu errado. Quando encontro
esses garotos, eu lhes digo: “esqueçam-se um pouco de seu passado. Vejamos
quais qualidades e especialidades vocês deixaram”. Quando eles expressam
algumas dessas qualidades, eu os relembro disso. Não me lembro de seus nomes,
mas me lembro de suas qualidades.
O perdão é muito importante para
eles. Somente quando aprenderem a perdoar-se é que podem abandonar suas
identidades falsas. Eles precisam entender por que estavam fazendo aquelas
coisas: não é porque são pessoas más, mas por causa da falta de entendimento.
Somente assim eles podem perdoar e reconquistar sua auto-estima novamente.
Perdoar-se significa curar seu
coração.
Se você continuar se punindo, ainda estará atrás das grades. Ainda
estará na prisão. E por estar na prisão, você aprisiona os outros também.
Ninguém quer estar preso sozinho. Nós queremos companhia. Se sua identidade é
baseada em vergonha, você vai procurar por outros que tenham o mesmo problema.
E sempre irão machucar-se uns aos outros.
Pessoas machucadas machucam pessoas.
Essas projeções uns nos outros irão continuar até que você se cure. E só quando
você se curar é que será capaz de curar os outros.
Devemos entender que somos livres. As
almas são livres. Ninguém pode nos aprisionar; nós é que escolhemos nos
aprisionar. Transformamo-nos em vítimas. E se gostamos de desempenhar o papel
de vítimas, sempre há alguém querendo desempenhar o papel de vitimizador – o
pássaro e a gaiola.
Se queremos ser livres, meu conselho é: Não fuja de sua
“gaiola”; não fuja de seu(s) relacionamento(s). Ao invés disso, entenda o que
está acontecendo e mude.
Para mim, isso é honestidade. E esse é o único modo de
libertar-se verdadeiramente. Não gaste toda a sua energia tentando mudar os
outros. É inútil. Toda a sua energia será usada em discussões, lutas e nas
mesmas brigas, repetidas vezes. Os outros só vão mudar quando eles quiserem, quando
eles entenderem que têm de mudar.
A mudança vem de uma motivação interna.
Mas
se usamos nossa preciosa energia para mudar a nós mesmos, as chances são de que
o outro também mude. É hora de regenerar a sua alma.
Relacionamentos verdadeiros começam
com silêncio.
Portanto, você pode começar a criar um relacionamento melhor
consigo, então, com o Supremo, e então com os outros. A razão pela qual os
relacionamentos com os outros vêm por último é porque os outros nunca vêem em
nós o que Deus vê. Freqüentemente nos vemos através dos olhos dos outros.
Então, se alguém vê somente 20% do que somos, também só vemos esse tanto. Deus
nos vê como somos, Ele vê nosso potencial completo.
Se você aprender a olhar-se
da forma como Deus o vê, você começará a ver seu eu verdadeiro. Se aprender a
conectar-se ao Ser Supremo, seus sentimentos puros serão estimulados e
reforçados. É maravilhoso estar em contato com um ser que é tão próximo à sua
natureza original. Você se sente muito confortável na presença de alguém que é
consciente da alma. Você começa a relaxar, pois está sendo reconhecido. Não
precisa provar mais nada a si mesmo.
Acredito que atualmente vivemos num
período no qual as pessoas estão começando a entender essas coisas. Mas temos
que parar de desperdiçar energia e concentrarmo-nos naquilo que realmente é
necessário.
A prática de meditação é sobre aprender a não ser influenciado, ser
você, salvo e protegido naquela energia pura. Meditação é sobre sentir sua
própria energia da alma.
Realmente sentir: "isso sou eu; aquele sentimento de
que sou único, sou especial." Então, o processo completo é expressar aquela
energia na sua vida diária, em seus relacionamentos. Mas, em primeiro lugar,
você tem que praticar para senti-la, até que se torne estável na sua identidade
verdadeira.
Quando você começa a sentir quem realmente é, não há necessidade de
lutar contra vícios ou pessoas à sua volta.
De fato, não há necessidade sequer
de lutar. É um processo muito natural. Quando mudarmos nossas atitudes, seremos
capazes de mudar o mundo.
Como vocês vêem, Deus precisa de ajuda. Ele precisa
de mentes livres!
*este texto está no site www.bkwsu.org/brasil
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